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Mãe de paciente morta por colega de enfermaria ganha indenização de mais de 1,5 milhões

A 6ª Turma Especializada do TRF2 condenou a União pela morte de uma paciente do antigo Centro de Tratamento Psiquiátrico Pedro II, em Engenho de Dentro, zona norte do Rio. A decisão determinou o pagamento de uma indenização de 3.600 salários mínimos por danos morais à mãe da vítima assassinada por outra paciente do hospital psiquiátrico. A indenização corresponde, em valores atuais, a mais de um milhão e meio de reais. Além disso, a União terá de ressarcir a mãe da vítima pela despesa com o funeral. Quando o crime aconteceu, a unidade era vinculada ao governo federal, mas hoje ela pertence ao município e foi rebatizada como Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira.


A sentença considerou ter havido falha na prestação de serviço hospitalar à jovem de 28 anos assassinada pela colega de enfermaria. De acordo com o relator do processo, o desembargador federal Frederico Gueiros, ao receber um paciente, a administração do hospital está obrigada a preservar sua integridade física. Informações juntadas aos autos indicam que a paciente que cometeu o homicídio era considerada perigosa e, por conta disso, permanecia contida por amarras de proteção. Só que, ressaltou o magistrado, depoimentos prestados no processo dão conta de que o hospital tinha conhecimento de sua facilidade de se soltar das amarras.

Em suas alegações, a União sustentou que o valor fixado para os danos morais seria excessivo. Mas, no entendimento do relator da causa, foram respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Frederico Gueiros ponderou que a indenização por dano moral não pode ser exorbitante, para não resultar no enriquecimento sem causa da vítima, nem irrisório, já que a indenização tem caráter educativo e punitivo: A quantificação do dano moral estrito é das questões mais difíceis, porque a dor, o sofrimento da perda de um filho, não pode ser quantificado em pecúnia. A pretensa reparação em pecúnia, não elimina o prejuízo e suas conseqüências, acrescentou.


Tribunal Regional Federal da 2ª Região


Leia o inteiro teor da decisão.

Nº: 1992.51.01.041631-5

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO GUEIROS
APELANTE : ANNE BIATRIZ SAMPAIO E OUTROS
ADVOGADO : ALEJANDRO JOSE MANZANO GOMEZ E OUTRO
APELADO : UNIAO FEDERAL
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 2A VARA-RJ
ORIGEM : SEGUNDA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (9200416314)


RELATÓRIO

Trata-se de Remessa Necessária, de Apelação Cível interposta por MARIA DE LOURDES SAMPAIO, às fls. 336/342, e de Recurso Adesivo movido pela UNIÃO FEDERAL, às fls, 350/354, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que julgou procedente em parte o pedido, para condenar a União a pagar à Autora Cr$28.000,00 (vinte e oito mil cruzeiros) a título de danos materiais suportados em setembro de 1990, atualizada e acrescida de juros de mora de 6% ao ano a contar da citação, além do valor correspondente a 3.600 salários mínimos, a título de danos morais. Honorários fixados em 5% sobre o valor da condenação.

A Autora moveu a presente ação com o objetivo de ver a União Federal condenada a pagar-lhe indenização por danos materiais e morais, em virtude do homicídio de sua filha Maria Augusta Sampaio, ocorrido no Centro de Tratamento Psiquiátrico Pedro II, quando ali se encontrava para tratar-se.

A sentença firmou o entendimento de que aplica-se ao caso a responsabilidade objetiva do Estado, em virtude de situação produzida pelo Estado diretamente propiciadora do dano, reconhecendo a vinculação entre a situação criada pelo Estado, e o dano sofrido pela Autora, impondo-lhe o dever de indenizar. Com relação ao dano material, estabeleceu a obrigação de ressarcir o valor de Cr$28.000,00(vinte e oito mil cruzeiros), referente a despesas com funeral efetivamente comprovadas. No que se refere ao dano moral, estabeleceu o montante de 3600 salários mínimo, tomando por base a pena de multa máxima determinada no Código Civil, art. 1547, e Código Penal, art. 49, § 1º, por entender que cumpriria adequadamente o seu papel compensatório para vítima e punitivo para a Ré.

Inconformada, a parte autora apela para que seja majorada a indenização para o montante de 5.400 salários mínimos, haja vista a necessária triplicação do valor inicialmente estipulado de 1.800 salários mínimos, tomando-se por base o art. 60 do Código Penal.

Aduz, ainda que os honorários advocatícios devem ser fixados na forma do art. 20, § 3º, aumentando o valor fixado até o mínimo legal estipulado de 10% sobre o valor da condenação.

A União Federal, em suas razões de recurso, pugna pela reforma da sentença pois entende que o valor fixado para a indenização por dano moral foge aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como, no caso, não é possível fixar o dano moral pelo seu caráter punitivo, uma vez que o ato danoso não foi perpetrado por nenhum agente da União, variáveis que não foram consideradas quando da fixação do valor da indenização.

Alega que, a manter-se o patamar fixado, estaria-se legitimando o enriquecimento sem causa da parte Autora.

Contrarrazões da União Federal, às fls. 356/361, e da parte autora, às fls. 364/375.

Deferida, às fls. 404, a habilitação de ANNE BIATRIZ SAMPAIO, MONICA SAMPAIO DE ABREU E VIVIANE SAMPAIO, em razão do óbito da Autora.

O Ministério Público Federal, às fls. 378, opina pela manutenção da sentença.

Este é o relatório.

Rio de Janeiro, 17 de abril de 2009.



FREDERICO GUEIROS
Relator



VOTO

Como visto no relatório, trata-se de remessa necessária, Apelação Cível movida pela parte autora e recurso adesivo da União Federal. Postula a parte autora, a majoração da indenização concedida na sentença, de 3.600 salários mínimos para 5.400 salários mínimos, bem como a fixação de honorários advocatícios no mínimo legal de 10% sobre o valor da condenação.

A União, em seu recurso adesivo, pretende minorar o valor indenizatório, ao argumento de que lhe falta proporcionalidade e razoabilidade. Por força do duplo grau obrigatório, necessário se faz o reexame.

Inicialmente, é de ser afastada a alegada prescrição ventilada pela União Federal em sua Contestação. Como bem se pronunciou a Magistrada de piso, “no que concerne à arguição da prescrição, deve ser rejeitada, haja vista não subsistir a alegação de que a citação só veio a ocorrer em 24/05/1996, uma vez que – promovida – seus efeitos retroagem à data do ajuizamento, conforme disposto no parágrafo 1º do art. 219 do CPC. Mesmo porque, a demora da citação não decorreu de inércia da autora”.

No mérito, cuida a presente demanda de responsabilidade civil, pleiteando a autora a condenação da União por danos morais e despesas de funeral devidos pela morte de paciente internada em hospital psiquiátrico, por homicídio intentado por outra paciente internada na mesma enfermaria.

É de correntia sabença que a Constituição Federal assegura à vítima, a ação de reparação contra ente estatal que lhe cause dano. Assim dispõe o art. 37, § 6º , da Carta Magna:

“Art.37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
...............................................................................................................
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelo danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

No caso dos autos, por se tratar de uma conduta omissiva, poder-se-ia pensar, em principio, que a conduta da Administração estaria inserida no campo da responsabilidade subjetiva, com a necessária demonstração de culpa do agente.

A filha/irmã da parte autora foi internada no Centro de Tratamento Psiquiátrico Pedro II, onde o evento ocorreu, supostamente por ineficiência na prestação do serviço hospitalar, de forma que não se pode elidir a responsabilidade objetiva do ente estatal, haja vista que o evento danoso decorreu do próprio fato administrativo em exame.

Assim, no caso dos autos, é objetiva a responsabilidade da administração, baseada na teoria do risco administrativo. Para que se configure o dever de indenizar, exige-se a ocorrência dos seguintes requisitos: o dano propriamente dito, a ação ou omissão administrativa, o nexo de causalidade entre a ação/omissão e o dano, bem como, a inexistência de qualquer excludente de responsabilidade estatal.

Os elementos carreados aos autos não deixam dúvida de que houve falha na prestação do serviço hospitalar prestado à paciente, eis que a Administração Pública deixou de tomar as precauções que lhe competiam, falhando claramente em seu dever de vigilância. Ao receber um paciente para tratá-lo, a Administração está obrigada a preservar sua integridade física, a atendê-lo com diligência e prudência, devendo, para isso, empregar todos os meios necessários. Descumprida a obrigação, que não se dissocia do dever de vigilância e proteção da equipe de médicos e funcionários do hospital, exsurge o dever de indenizar.

O fato lesivo foi exaustivamente comprovado nos autos, consubstanciado na dor pela morte da filha da Autora. O nexo de causalidade entre a situação de risco criada e o evento danoso é evidente, haja vista que a Administração tinha pleno conhecimento da periculosidade da paciente que praticou o delito e de sua facilidade de soltar-se das amarras, deixando de tomar todas as precauções necessárias, o que facilmente se verifica dos depoimentos colhidos às fls. 19/25. Ademais, nada foi apurado como excludente de responsabilidade, de forma que é evidente o dever de indenizar.

A quantificação do dano moral estrito é das questões mais difíceis, porque a dor, o sofrimento da perda de um filho, não pode ser quantificado em pecúnia. A pretensa reparação em pecúnia, não elimina o prejuízo e suas conseqüências. No entanto, é pacífico na doutrina e jurisprudência que o juiz devera arbitrar o valor observando que não deve ser muito alto, pois não pode consistir enriquecimento sem causa da vítima, tampouco pode ser irrisório, afastando o seu caráter educativo e punitivo.

A sentença, nesse aspecto, foi impecável, verbis:

“Para a fixação do respectivo quantum deve-se ter em conta as circunstâncias do caso concreto, com base em padrão objetivo e a gravidade do dano, buscando parâmetro de proporcionalidade entre a indenização reparação e o agravo, considerada a posição da vítima e o sofrimento causado, de forma que não seja tão grande que se converta em fonte de riqueza, nem tão pequena que se torne inexpressiva.
...
Impossível é a aferição do montante necessário a indenizar o dano decorrente da morte de uma filha, jovem, de 28 anos, porquanto o sentimento resultante é individual e imensurável, sendo certo que não há indenização que, de fato, compense a perda.
...
À falta de previsão legal específica, julgo pertinente a aplicação analógica de parâmetros estabelecidos em lei para o dano moral, como base à fixação da indenização, embora previstos para hipóteses outras, porém não de maior gravidade.
Dispõe o art. 1.547 do Código Civil:
Art. 1.547 A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar em prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1550). (Grifei).
Segundo o Código Penal, a pena máxima de multa corresponde a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa,sendo de cinco salários mínimos o valor do dia-multa, de acordo com a previsão do artigo 49 e seu §1º, daquele diploma legal:
Art. 49 A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10(dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendoser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. (...). (Grifei)
Chega-se ao montante de 1.800 salários mínimos (360x5), cuja dobra prevista no parágrafo único do artigo 1.547 do Código Civil leva ao total máximo de 3.600 salários mínimos.
Ante tal limite máximo de indenização, pergunto-se me haveria hipótese de dano moral mais grave que a perda precoce de filha entregue aos cuidados de hospital, em confiança e sob a responsabilidade do Estado. Sem dúvida, a dor, o sofrimento, não admitem comparações simplistas, sequer graduações objetivas, pois a subjetividade os torna individuais e únicos. No entanto, a gravidade do fato, qualquer que seja o ponto de vista pelo qual seja enfocado, deixa evidente a constatação de tratar-se de hipótese que merece ser correlacionada ao limite máximo admitido em lei para a indenização de dano moral.
Deixo de aplicar a norma do §1º do artigo 60 do Código Penal, que admite seja triplicada a multa, por considerar que a situação econômica da ré não justifica a majoração, inexistindo, na hipótese, prejuízo à eficácia da condenação”.

Resta, pois, evidente, que o valor da indenização foi fixado com bom senso, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que não se pode tê-lo como exorbitante, como o deseja a União, e nem há sentido em majorá-lo, como deseja a parte autora.

O dano material também foi fixado corretamente, tomando-se como base as provas colacionadas aos autos.

Impugna, a parte autora, a fixação de honorários advocatícios em 5% sobre o valor da condenação. Não lhe assiste razão.
Tratando-se de ação de conhecimento em que houve condenação da União Federal, entendo que os honorários devem ser fixados observando-se os parágrafos 3º e 4º, do artigo 20 do CPC.

Com efeito, embora graves os fatos relatados, a matéria é relativamente simples e pacificada nas Cortes Superiores, envolvendo questão unicamente de direito, de forma que os honorários advocatícios foram fixados em patamar adequado.

Diante do exposto, conheço dos recursos porque presentes os seu pressupostos de admissibilidade, mas nego-lhes provimento. Remessa necessária igualmente improvida.

É como voto.

Rio de Janeiro, 04 de maio de 2009.


FREDERICO GUEIROS
Relator


EMENTA


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOMICÍDIO DE PACIENTE POR OUTRA PACIENTE, AMBAS INTERNADAS EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MATERIAL COMPROVADO DEVE SER RESSARCIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO COM BOM SENSO. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS MANTIDOS.
1 - A Constituição Federal assegura à vítima, a ação de reparação contra ente estatal que lhe cause dano. No caso, não há como afastar a responsabilidade objetiva da União, prevista no aludido art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988, haja vista a presença de seus requisitos autorizadores: o dano, o nexo de causalidade entre a ação/omissão administrativa e o dano, e a inexistência de qualquer excludente de responsabilidade.
2 - Os elementos carreados aos autos indicam falha na prestação do serviço hospitalar prestado à paciente, já que a Administração Pública deixou de tomar as precauções que lhe competiam, em especial, quanto ao dever de vigilância. É dever da Administração o atendimento ao paciente com diligência e prudência, com a preservação de sua integridade física, por todos os meios necessários. Do descumprimento desse dever exsurge a obrigação de indenizar.
3 - É pacífico na doutrina e jurisprudência que o juiz deve arbitrar o quantum indenizatório de forma que não configure valor excessivamente alto, pois não pode consistir em enriquecimento sem causa da vítima, tampouco pode ser irrisório, afastando o seu caráter educativo e punitivo.
4 - O valor da indenização foi fixado com bom senso, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que não se pode tê-lo como exorbitante e nem há sentido em majorá-lo.
5 - A questão posta nos autos, embora grave, é relativamente simples, envolvendo questão unicamente de direito, de forma que os honorários advocatícios foram fixados em patamar adequado.
6 – Recursos improvidos. Remessa necessária improvida.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Egrégia Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos e à remessa, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julga¬do.
Custas, como de lei.
Rio de Janeiro, 04 de maio de 2009.


FREDERICO GUEIROS
Relator

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